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segunda-feira, 31 de maio de 2010

MISS IMPERFEITA - Martha Medeiros

MISS IMPERFEITA

'Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é
possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito
prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa
profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias,
ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições,
cuido dos filhos, marido (se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro
minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a
toneladas de e mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia
hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos
domésticos e ainda faço as unhas e depilação!

E, entre uma coisa e outra, leio livros.

Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.

Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas
que operam milagres.

Primeiro: a dizer NÃO.

Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada,
aliás.

Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua
lista a Culpa Zero.

Quando você nasceu, nenhum profeta entrou a sala da maternidade e lhe
apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para
os outros..

Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que
desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse
direitinho.

Você não é Nossa Senhora.

Você é, humildemente, uma mulher.

E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida
interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser
sempre politicamente correcta, não é topar qualquer projecto por dinheiro,
não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser
indispensável. É ter tempo.

Tempo para fazer nada.

Tempo para fazer tudo.

Tempo para dançar sozinha na sala.

Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.

Tempo para sumir dois dias com seu amor.

Três dias..

Cinco dias!

Tempo para uma massagem.

Tempo para ver a novela.

Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de
beleza.

Tempo para fazer um trabalho voluntário.

Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.

Tempo para conhecer outras pessoas.

Voltar a estudar.

Para engravidar.

Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.

Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente
organizada e profissional sem deixar de existir.

Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou
pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.

Existir, a que será que se destina?

Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.

A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se
não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está
tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.

Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de
si.

Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!

Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e
vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para
usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha
trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.

Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o
hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso,
francamente, está precisando rever seus valores.

E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar
e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco
estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida
interessante'

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